23 de fevereiro de 2012

Heartless: Uma alegoria sobre o amor, vida e morte.

E então eu a vi. Sabe aquele momento em que você não lembra como era a sua vida antes de ter conhecido a pessoa que você sabe que a mudaria? Por isso eu não sei dizer exatamente como eu era antes dela.

Ela era diferente de todas que eu já havia visto. Sinceramente, jamais imaginei que poderia me apaixonar por alguém como ela. Todos diziam: “É impossível cara. Ela não é como você. Ela não é pro teu bico”. De certa forma, eles estavam certos...

... mas meu coração insistia em me enganar, dizendo que eu tinha alguma chance. Na minha cabeça, o simples fato de poder amá-la era suficiente, independente de qualquer diferença existente entre nós. Afinal de contas, qual o problema de se apaixonar por uma zumbi?

Não, eu não estava desesperado. Eu já tinha tentado me apaixonar por humanas normais. Eu havia até amado algumas de verdade. Mas com ela foi diferente. Geralmente, quando você olha pra uma mulher, você às vezes se incomoda com um calcanhar um pouco gordinho, um buço, ou o jeito dela falar, mas com ela eu simplesmente não me incomodava com esse tipo de coisa. Ela não tinha muita clareza na hora de falar, provavelmente por causa do vírus que a transformou numa morta-viva. Ela tinha aquele aspecto de pele necrosada e andava toda torta, mas eu achava charmoso até. Como eu disse meu coração realmente acreditava que seria possível amá-la.



Eu não sei se ela já havia me visto, e pensava a mesma coisa sobre mim, aliás, eu não sei se ela pensava. Como bem sabemos, comunicação não é o forte de um zumbi. Meus amigos não entediam. Diziam coisas como: “Ela tá morta cara! Isso não tem como dar certo”. E por causa disso, acabei me afastando deles. Quem são eles pra falar o que é certo? Quando um deles começou a namorar uma baixinha nariguda eu não falei nada, eu apoiei. E é assim que eles me apóiam que demonstram amizade? Se for assim, estou melhor sem eles então.

Nada nem ninguém vão ficar entre eu e a zumbi mais linda desse mundo.

Eu pedi, e como eu pedi a Deus pra que eu pudesse, de alguma forma conquistá-la. Até que um dia...
... lá estava ela. Eu lembro como se fosse hoje. Aqueles longos e sujos cabelos no rosto. A pele em decomposição, uma orelha faltando (por que não é fácil a vida de um zumbi). Era horário de almoço dela, eu acho, e ela estava junto com sua horda almoçando algum gordinho, isso não vem ao caso. O importante é que lá estava ela, e aquele seria o dia em que eu teria coragem de declarar o meu amor. De começar nossa vida juntos.

Eu nunca vou esquecer esse dia. Eu me aproximei, e disse: “Oi. Eu passo por aqui todo dia, eu estava te olhando, e acho que gosto de você e quero te dar meu coração” Eu não sei se ela me entendeu, eu estava declarando meu amor de uma forma metafórica. Então ela se levantou, com um pedaço de pele do gordo no canto da boca, toda suja de sangue. Me olhou com aqueles olhos vazios e penetrantes. E começou a se aproximar de mim, len-ta-men-te.

Eu não conseguia conter meu sorriso. Minha oração estava sendo respondida naquele exato momento. Ela colocou suas mãos sobre meu ombro. Eu coloquei as minhas mãos sobre os ombros dela e fechei meus olhos, esperando o beijo que juntaria nossas vidas pra sempre.

A partir daí tudo aconteceu muito rápido. Eu comecei a sentir a mãos dela me segurando cada vez mais forte, e uma dor terrível no peito. Até que abri os olhos, e a vi mordendo meu peito, exatamente onde fica o coração, com uma fome e fúria nunca antes vista. Eu queria de fato dar meu coração pra ela, mas não desse jeito!

Eu a empurrei com toda a força que ainda me restava, e tentei me afastar aos trancos e barrancos. Consegui me esconder atrás de uma lixeira, num beco sem saída. Me sentei no chão, e comecei a sangrar, comecei a chorar. Por causa dela, por causa da minha burrice, de achar que aquele romance seria possível, até que adormeci.

Quando acordei, eu entendi porque seria impossível ficar com ela. Entendi o que fazia dela tão diferente te mim. Aquela ausência de vida, e a vida toda que eu tinha pela frente. Porque isso jamais daria certo. Porque no momento em que acordei, a ausência de vida que existia nela passou a habitar em mim. Porque ao entregar meu coração pra ela, minha vida de fato mudou, mas não da forma como eu esperava.

Não tenho ela, não tenho meus amigos, não tenho vida, por que me apaixonei pela morte. E hoje vago me arrastando, assim como ela, atrás de um pedaço de vida pra preencher esse vazio.

1 pitacos:

Dirceu disse...

Adorei! Zumbis não querem tua vida, mas sim teu corpo. Então, presumo que estejamos todos rodeados por zumbis. Tua LINDA está bem vivinha e um dia, com toda certeza do mundo, irá se juntar a você para que tenham ainda mais vidas.