9 de dezembro de 2009

Eu me envergonho do Gospel



O título é uma paráfrase malfeita das palavras do apóstolo Paulo na carta de Romanos, capítulo um, versículo 16. Paulo fala que não se envergonha do evangelho, mas acredite, minha paráfrase não é tão malfeita assim. Afinal de contas, gospel significa palavra de Deus. Acontece que aqui eu to falando do “estilo musical”, e não da santa palavra do Pai.

Odeio dizer assim nessas palavras, mas eu ouço de música gospel. Então você deve pensar: “Quer dizer que ele não gosta de ‘música gospel’ mas ouve?” Não, não é bem assim. Vocês deveriam ver as caretas que as pessoas fazem quando digo o que ouço, daria um belo álbum de fotos. As pessoas fazem careta e nem sabem o que é gospel... muitas até ouvem e não sabem. Na verdade, muitos que se dizem fãs do “gênero musical” sequer sabem o que é ou não o gospel. Então, a pergunta é: O que é Gospel??

Existem duas respostas para essa pergunta:

¹ Música originalmente americana, da ala cristã negra, vinda do Spirituals, que inspirou o RythmBlues, Blues, Jazz e por fim o Rock. Gênero característico de corais de igrejas afro-descendentes. (já viram aqueles filmes de coral afro-americano batista com aquelas vozes de dar inveja? Aquilo é, por determinação de gênero, música gospel) Você já ouviu sim, lembre-se de Ray Charles e Aretha Franklin. Até Johnny Cash e Bob Dylan já cantaram gospel.

² Gospel = God + Spell... Palavra de Deus, todo e qualquer tipo de música onde suas letras têm como base e inspiração a palavra de Deus, e a vida cristã, bem como aspectos da vida, não necessariamente nessa ordem. Pelo menos em definição.

Hoje se ouve falar de Rock Gospel, Reggea Gospel, Punk Gospel, Pagode Gospel (Ui), e até dizem que o U2 é gospel... Tudo é gospel hoje.
A revista Rolling Stone trouxe em 2008 uma matéria sobre a morte do movimento no Brasil. É novinho, com 20 anos, ja morrendo? Como pode? Será obra de Satanás ou de algum encosto? Não, acredite em mim, é culpa de homens mesmo.

O movimento surgiu em 1980, seguindo o exemplo do “Jesus Moviment”, uma espécie de movimento hippie cristão, que nasceu nos Estados Unidos em meados dos anos 70. Durante a história do gospel no Brasil, houveram muitos focos de inspiração e cultura, com o grupo Vencedores por Cristo, Palavra da Vida, Grupo Elo, porém o boom veio com o investimento do casal evanglélico mais conhecido do Brasil. O casal Estevão e Sonia Ernandes (sim, aqueles do dinheiro na bíblia).

Igreja Renascer e o marketing gospel.

O livro A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil escrito por Magali do Nascimento Cunha, conta sobre o início da igreja e do rock gospel. Estevão era ex-universitário, havia largado a faculdade de Administração de Empresas e era gerente de marketing na Itautec. Sonia era diaconisa da sua igreja. O casal se conheceu nas programações da Igreja Pentecostal da Bíblia. Depois de passar por uma crise, os dois começaram a freqüentar a Igreja Cristo Salva, famosa por ser chamada de “a igreja do Tio Cassio”. Quem é tio Cassio? Um ex-empresário falido, convertido, fundador da pequena comunidade.

O modelo da igreja do tio Cássio foi determinando para que o casal iniciasse uma nova organização eclesiástica. Então você leitor fala: “Calma aí, você ta falando de historia de igreja, onde entra a música gospel nisso tudo?” Acontece que o trabalho voltado para a juventude fez com que o grupo crescesse e a conversão de um músico dependente químico fez com que o casal Hernandes começasse um trabalho para adictos. A entrada do músico para a Igreja Renascer aconteceu ao mesmo tempo que a igreja já investia em música eventos. Logo em seguida vieram os festivais e a profissionalização dos músicos. Bandas como Oficina G3 e Resgate nasceram nesse mesmo período, e hoje mantém uma vendagem de CDs que chega a ser até maior que as das maiores banda de rock nacional. No final dos anos 80, Estevão Hernandes se uniu ao empresário Antonio Carlos Abbud (membro da Renascer) e criou a gravadora Gospel Records. Com o crescimento da gravadora, e a aquisição da primeira rádio pelo grupo igreja Renascer, Estevão acabou registrando a marca Gospel, que foi associada a outros empreendimentos de mídia da Renascer.

Estevão e Sônia Hernandes não são só culpados de entrar com dinheiro não declarado nos Estados Unidos. Eles também são culpados pelos pastores da TV que pedem dinheiro toda hora, e por todo dia tocar nas rádios: “Como Zaqueu, quero subiiiiirr...”. Isso é bem pior que dinheiro ilegal.
Todo mundo torce o nariz pro gospel, mas acredite ou não, é o terceiro estilo mais consumido no país e é o segmento que mais cresce no mercado. A estimativa é de que o filão movimente cerca de R$ 1,5 bilhão até R$ 3 bilhões anualmente. A gravadora Line Records, por exemplo, só cresceu 156% em faturamento em 2008, segundo estudo feito pela Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil. Segundo estimativas o mercado evangélico cresceu 30% só esse ano (Benção né? Glória a Deus, ou não). É numa hora dessas que eu imagino Jesus entrando no templo, e ao ver todos os vendedores e fala: ”’A minha casa será chamada Casa de Oração.’ Mas vocês a transformaram num esconderijo de ladrões”(Matheus 21:13).

Marcha soldado, cabeça de papel

O dia 2 de novembro foi sancionado pelo presidente Lula este ano, como o dia oficial da Marcha para Jesus. Vitória do povo de Deus? É o que o Bispo Estevam diz em sua igreja, afinal, é ela quem comanda a passeata da avenida paulista todo ano. Esse ano mais um milhão de pessoas participaram da tal marcha.
O evento que foi denominado de “Marcha para Jesus” deveria ser espontâneo e informal. Organizações como a Jocum (Jovens com uma missão), a Primus e a Ichthtus compraram a ideia e em 1987 na cidade de Londres, promoveram o primeiro grande evento de massas. Em poucos anos a marcha se propagou por todo o mundo, arrastando multidões cada vez maiores, no que foi jocosamente chamado de “a procissão dos crentes”...

"Como tudo no Brasil parece acabar em pizza, samba ou malandragem, eis que a nossa 'Marcha' virou marca registrada, patenteada por uma esperta 'denominação' pseudo-pentecostal de íntima convivência com o Poder Judiciário daqui e doutras terras. No Brasil a 'Marcha' tem dono. Como é um evento único, e uma forma de peitar a sua concorrente, a 'Marcha do Orgulho Gay', muita gente tem participado dela, embora a reboque do 'apóstolo', da 'bispa' ou de seus representantes." (Via Genizah)
Oportunidade para falar de Jesus, ou oportunismo? Fica aí o cutucão.

O Gospel

Eu sou enfaticamente contra o nome gospel. Essa coisa de rotular é muita perigosa aqui no Brasil, pois as pessoas acreditam no rótulo e se esquecem do seu conteúdo, coisa que os próprios porta vozes do movimento também esqueceram. É claro que têm aqueles que além de não verem problema algum, ganham rios de dinheiro com isso. Como a gravadora MK Publicitá (parte do Gupo Mk, idealizado pelo Deputado Federal Arolde de Oliveira), que desde o seu início, já arrecadou mais de 300.000.000 de reais, mas gravadoras serão sempre gravadoras, quer sejam gospel ou não. Isso vai além da industria cultural, vendendo mais um item de cultura, isso é uma indústria religiosa.

Pra mim não existe música gospel ou não gospel. Existe música. Não acho que exista um solo ou acorde mais santo que outro. Se Deus deu o dom a cada um, então cabe aos próprios cristãos saírem de baixo da saia do “gospel” e fazerem música de verdade. Se dizem que sua inspiração é divina, então por que eu ainda sou obrigado a ouvir versão gospel do Créu? (Céu, céu, céu...).

Eu quero morte ao gospel. E vida longa à música, à criatividade, ao sair do lugar comum e fazer a diferença, afinal de contas, não é a isso que Jesus Cristo os chamou? Pois eu não acho que vocês foram chamados pra vender cd, pra defender a bandeira de um estilo ou endemonizar outro.

Faço das palavras do compositor João Alexandre as minhas: ”Procuro alguém pra resolver meu problema, pois não consigo me encaixar neste esquema. São sempre variações do mesmo tema, meras repetições”, da música É Proibido Pensar. Se você tem algo contra sexo, drogas e rock’n roll, o que acha do gospel agora?

4 pitacos:

Eder V. Koglin disse...

Olá meu brother Felipe... tudo certo?
Bom, quero iniciar parabenizando-o pelo Blog e pelos artigos nele publicados. Parabéns mesmo, pois devemos nos expressar sim e fazer isso com inteligência é fantástico. Digo que vc está no caminho certo.... Continue irmãozão!!!

Bom sobre o texto, propriamente dito, gostei do que li e confesso que muito dos relatos históricos apresentados, eu acompanhei quase de perto (xiiii..... acho que entreguei minha idade...rsss). Mas assim acho mesmo que hoje em dia as coisas partiram para um lado econômico perigoso. Isso me referindo aos cristãos.
É lógico que não podemos, nem conseguimos sondar os corações e ver a real motivação de cada artista. Isso só pode ser feito quando caminhamos ao lado, pois como diz a Bíblia: "...pelos frutos vos conhecereis...".
Sabe não gosto de ficar apontando o dedo, mas penso que todo o movimento inicia-se com a melhor das intenções e acaba gerando frutos. Eu mesmo sou um deles!
Sabe os festivais que vc citou? Então eu frequentava anualmente.... Cresci e minha na adolescência ouvia demais Oficina, Katsbarnéa, Atos2 (que virou Kadoshi), Banda Rara, Resgate....isso algumas nacionais, fora do Brasil era Michael W. Smith, DC Talk, Take 6, Brite, Petra, xiiii a lista é grande....(novamente entreguei minha idade...rsss). Mas assim, minha geração foi muito impactada e nós começamos a fazer o mesmo. Me lembro de um evento feito em Maringá-PR chamado Rock'in Gospel.... hehehe foi muito legal.... cheguei até a dormir no palco.... mas deixa pra lá....rsssss
Bons momentos aqueles que faziamos shows para abençoar as pessoas e não havia a menor intenção de nos promovermos e ganharmos em cima desse segmento. Coisa que acontece muito hoje.
Bom gostei do texto e novamente o parabenizo. Muito bom!
Fica na paz meu brother.... espero podermos conversarmos mais sobre o tema pessoalmente.
Deus te abençoe!!!
Eder Valentim

dirceu disse...

Rapaz, gostaria de ter a mesma fluência para falar das coisas assim de uma maneira tão objetiva e despojada de vínculos. Parabéns, mais uma vez, por sua iniciativa e ousadia em enfrentar temas que para muitos é tabu e não merece sequer questionamento.
Vivas ao livre arbítrio.

Matheus disse...

very goodi nóis num heavy texto, 9.3.rs

abs

Nathan Osipe disse...

Puxa!! To impressionado! Excelente texto ... para se refletir!